quinta-feira, 19 de abril de 2012

Trocando constelações por comida

Texto inspiradíssimo do Marcelo Katsuki:

Só se fala do novo signo, Ophiuchus ou Serpentário. Com essa mudança na astrologia, como devo fazer, mudo de personalidade? Afinal, foram anos e anos moldando um jeitinho de ver a vida baseado nos astros!

Inspirado nessa revolução zodiacal e na constante rotação de pratos personalíssimos à mesa, proponho uma mudança mais radical: deixar de lado essa bicharada e trocar as constelações por comida. Não o que você gostaria de comer, mas o que você é. Confira seu novo signo no nosso novo cardápio astral.

Pipoca (21 de março – 20 de abril)
Pavio curto. Não aceita críticas, é petulante e audaciosa. Esquentadinha, quando fica inflamada, explode fazendo pressão na panela. Mas é só barulho.

Rapadura (21 de abril – 20 de maio)
Teimosa, turrona, faz a fina, mas é raspa de tacho. Pessoa tinhosa até levar uma boa ralada, daí fica um docinho. Não perca seu tempo discordando dela. Geralmente é gorda.

Suflê (21 de maio – 20 de junho)
Versátil e indeciso, é famoso pela instabilidade. Pode aparentar grandiosidade em determinado momento para, em seguida, se afundar em discurso prolixo. Costuma falar sozinho.

Ricota (21 de junho – 21 de julho)
Gosta de se dar bem com todos, trazendo-os para seu convívio feito coração de mãe. Insossa, é totalmente dominada pelo tempero, tornando-se coadjuvante em sua vida. Geralmente sem sal.

Pavão de nabo (22 de julho – 22 de agosto)
É aquela escultura coloridíssima, toda trabalhada no corante, que anima qualquer mesa de bufê. A festa acaba e ele fica lá, não tem muita noção de timing. Falante nato, dá ótimo animador de festas infantis. Pobres crianças.

Teishoku (23 de agosto – 22 de setembro)
É o famoso “comercial” japonês, em que as comidas vêm todas minuciosamente separadas em vários pratinhos. Contido e sistemático, costuma ser centralizador e egoísta. Tendência à neurose.

Bufê self-service (23 de setembro – 22 de outubro)
Preza a abundância, mas o foco é socializar. Muito variado, difícil definir-se em um único prato. Gosta de estar em todas, da entrada à sobremesa. Meio sem noção, como um sushi num bufê de massas.

Acarajé (23 de outubro – 21 de novembro)
Misterioso, perfumado, rico em texturas. Quente, ardente, mesmo quando a aparência não é das melhores. Você com certeza vai se lembrar dele no dia seguinte, o que não quer dizer que será uma boa lembrança.

Rodízio (22 de novembro – 21 de dezembro)
Não importa se de churrasco ou de sushi, esse nativo é marcado pelos excessos e pelas oscilações. Entope-se de picanha no domingo para morrer segunda numa saladinha. Sanfona.

Miojo (22 de dezembro – 20 de janeiro)
Prático, independente, realista, não perde tempo com situações idealistas. Mas às vezes fica melancólico, com pensamentos negativos, talvez pela consciência de que não passa de simples macarrão instantâneo.

Espuma (21 de janeiro – 19 de fevereiro)
Gás aromatizado, tudo muito etéreo, tudo muito futuro, saca? Sem consistência, se evapora como aquela boa ideia que você não anotou e esqueceu depois. Visionário, com algum esforço.

Petit gâteau (20 de fevereiro – 20 de março)
Tenta mostrar firmeza com sua casca dura, mas por dentro é tão mole quanto uma manteiga derretida. Geralmente servido com sorvete de mágoas. Melhor ficar só no cafezinho.


* Marcelo Katsuki é blogueiro (www.comesebebes.com.br) e passa metade do dia pensando em comida. Na outra metade, ele sonha.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Os loucos banquetes de Heliogábalo


O imperador romano pós-Cristo Varius Avitus Bassianus, conhecido como Heliogábalo (204-222), foi um tirano na linha de Nero (37-68) e Calígula (12-41), e cometeu inúmeras extravagâncias à mesa. Em um dos muitos banquetes que promoveu, serviu aos seus seiscentos convidados ervilhas misturadas com grãos de ouro, lentilhas com pedras preciosas, feijões enfeitados com âmbar e peixe com pérolas. Em outro, mandou abater mais de mil flamingos, para deles só extrair a língua, que deveria ser oferecida aos seus convivas. Dizem ter criado um prato com seiscentas cabeças de avestruz.

Heliogábalo apreciava lírios, narcisos, rosas e violetas. Muitas vezes, de madrugada, após um régio banquete, uma chuva de pétalas de rosas e violetas caía sobre seus convidados. Alguns, já bêbados, morriam asfixiados. Deliciava-se com pétalas de violetas tostadas com rodelas de laranja e limão. Costumava mandar encher as banheiras públicas com água de rosas e, em seu palácio, algumas salas eram decoradas com tapetes de flores. Ao mesmo tempo em que distribuía absinthiatum, a famosa “fada verde” dos dias de hoje, ao povo, alimentava seus cães e leões com faisões, pavões e com fígados de ganso. Isto mesmo, foie gras.

Essa e muitas outras histórias, você encontra em meu livro "Histórias, Lendas e Curiosidades da Gastronomia", editado pelo Senac Rio, disponível nas livrarias de todo país.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

E já que é Páscoa, que tal falarmos sobre chocolate?

As sementes do cacau teriam vindo do paraíso, por intermédio do deus Quetzalcoatl, da mitologia asteca. Os astecas foram os primeiros povos a transformar o cacau em chocolate, que chamavam de xocoatl (água amarga). A bebida era preparada com grãos de cacau tostados e diluídos em água quente, aos quais adicionavam algumas especiarias, como a pimenta e o gengibre. Era reservada a cerimônias de casamentos, nascimentos e funerais, e considerada símbolo de riqueza, entre astecas e maias. As sementes também tinham função de moedas. Quatrocentas formavam um zontli, enquanto o portador de 8 mil sementes tinha, na verdade, um xiquipilli. Era possível comprar um escravo por cem sementes, uma prostituta por dez e um coelhos por quatro, conforme os relatos da época. Embora tenha sido o primeiro europeu a ter contato com o cacau em 1502, em sua última viagem ao Caribe, Cristóvão Colombo (1451-1506) não lhe deu importância. Foi o conquistador espanhol Hernán Cortês (1485-1547) que, ao experimentar o xocoalt ou cacauatl (água amarga), a ele oferecido pelo imperador asteca Montezuma, em 1519, percebeu o grande valor econômico da semente de cacau. Em seu retorno à Espanha, em 1528, Cortez trouxe consigo as primeiras mudas de cacaueiro, que decidiu plantar no Haiti, em Trinidad e, por último, na África.
Graças a essa iniciativa, a Espanha deteve o monopólio do chocolate por mais de um século. Apenas os monges espanhóis podiam produzi-lo e, com o passar do tempo, conseguiram melhorar o sabor da bebida, substituindo a pimenta e o gengibre por açúcar, canela, urucum, anis, almíscar e âmbar cinzento. Também aperfeiçoaram o sistema de torrefação e a moenda do chocolate, transformando-o em barras e tabletes para serem dissolvidos em água quente. Logo a bebida tornou-se moda nos salões aristocráticos. Era a favorita da pequena Ana da Áustria (1601-1666), a infanta da Espanha. Ao se casar com o rei Luís XIII (1601-1643), da França em 25 de outubro de 1615, levou da Espanha tudo o que é necessário à sua preparação. Em 1657, surgiu em Londres a primeira loja de chocolate chamada The Coffee Mill and Tobacco Roll. Em 1828, o holandês Casparus van Houten (1770-1858) retirou do cacau parte da gordura, o que atenuava sua amargura e acidez, ao mesmo tempo em que criava a manteiga de cacau pura. Em 1847, é comercializada em escala a primeira barra de chocolate produzida pela companhia inglesa J. S. Fry & Sons, localizada em Bristol. Tinha sabor amargo e bruto. Em 1876, o suíço Daniel Peter (1836-1919) adicionou leite condensado ao chocolate, criando a primeira barra de chocolate com leite de que se tem notícia. Rodolphe Lindt (1855-1909), também suíço, depois de prensar o chocolate por vários dias e misturá-lo em aparelhagens especiais, conseguiu obter a textura cremosa que se conhece hoje. Anos depois, Peter vendeu para seu vizinho Henri Nestlé (1814-1890), seu invento. Farmacêutico alemão, Nestlé já havia criado o método de condensação do leite e a farinha láctea. No Brasil, a primeira fábrica de chocolate foi instalada em Porto Alegre, em 1891, por iniciativa dos imigrantes alemães Franz e Max Neugebauer e Fritz Gerhardt, que fundaram a empresa Neugebauer Irmãos e Gerhardt. Considerado afrodisíaco, Montezuma, chegava a tomar cinquenta xícaras de chocolate por dia, servidas em recipientes de ouro maciço. Era daí que ele – dono de um grande harém e homem de muitos inimigos – afirmava adquirir a força para governar. Era, também, a bebida predileta de Casanova (1725-1798), do Marquês de Sade (1740-1814) e da Madame Du Barry (1743-1793), amante do rei Luís XV.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Histórias, Lendas e Curiosidades da Gastronomia


Histórias, Lendas e Curiosidades da Gastronomia é meu segundo livro, publicado pelo Senac Rio, lançado no ano passado. Sem falsa modéstia, o livro ficou maravilhoso.

São 322 páginas que passeiam ao longo do tempo - da Antiguidade aos dias de hoje -, contemplando ingredientes, bebidas, personagens históricos (são mais de 1.500) e lugares do mundo inteiro, narrando passagens, momentos e acontecimentos que nos ajudam a entender a evolução da arte de comer e beber bem.

Breno Lerner, editor e pesquisador da história da culinária, escreveu o prefácio que reproduzo abaixo:

"A curiosidade matou o gato, diz o velho refrão , mas impulsionou o homem a buscar novas fronteiras.
Toda história humana passa, em algum momento, pela cozinha, e este bicho curioso, o homem, a todo momento a fuçar e procurar novos ingredientes e temperos acabou por dar voltas ao mundo, descobrir novas terras e continentes, guerrear por um punhado de pimenta ou invadir um país por uma plantação de chá.
Muitas das histórias e lendas sobre a culinária e seus ingredientes têm diferentes versões, todas de garantida fonte de procedência, todas verídicas e comprovadas, o que dificulta muito o estudo e a organização de um trabalho histórico.
Roberta Malta Saldanha nos brinda com um verdadeiro almanaque de boas e rápidas informações, apuradas em fontes confiáveis e apresentadas sob a forma de verbetes rápidos e de gostosa leitura.
Foi um prazer receber os originais e lê-los “de enfiada”, sem tomar fôlego, de cabo a rabo. Aquela boa e velha curiosidade é despertada pelas informações oferecidas por Roberta, e tenho a certeza de que cada leitor, como eu, seguirá pesquisando e procurando mais informações sobre um ou outro item. E este é o grande mérito do trabalho de Roberta: convidar-nos a continuar procurando, por meio da insaciável curiosidade humana, mais informações sobre este curioso caso de amor entre o homem e sua cozinha.
Lendo Histórias, Lendas e Curiosidades da Gastronomia, vamos descobrir, na história do Monte Testaccio, que o problema com o descarte de vasilhames é bem mais antigo do que se imagina , ou a curiosa relação entre o filtro de café e o extinto mata-borrões, ou ainda as inúmeras versões sobre a criação da maionese.
Lendas como a relação do tortellini com o umbigo da deusa Vênus ou a descoberta do café por um monge levam-nos a viajar pelo tempo, mundo afora.
Histórias com a do cachorro-quente ou do pêssego Melba nos ajudam a entender melhor seus curiosos nomes e o momento histórico em que apareceram.
Este livro relata histórias sobre a curiosidade humana na área da gastronomia, curiosidade que moveu o motor da economia mundial do século XV ao século XIX e hoje movimenta bilhões de dólares em uma das áreas que mais têm crescido neste século XXI.
Espero que você se divirta e sacie sua curiosidade, assim como eu me diverti ao ler este livro."

Nos próximos posts, vou publicar algumas passagens do livro.
Até lá!